11.27.2006

MiMi Records


MiMi é uma netlabel que tem como objectivo divulgar o que se faz em Portugal e no Japão relativamente às novas tendências da música electrónica (electronica, i.d.m., glitch, noise, hardcore digital, experimentalismo). É, também, uma forma de troca de experiências musicais entre músicos dos dois países.

À frente do projecto, está Fernando Ferreira (que também integra a equipa do Clubotaku, uma e-zine dedicada ao anime/manga e cultura japonesa), que explica como tudo teve origem: «Tudo começou quando assisti a um concerto de música e dança tradicional japonesas, para comemorar os 460 anos de amizade Portugal-Japão, organizado pela Embaixada do Japão em Portugal. Depois do concerto, pensámos "porque não continuarmos esta amizade usando a nova música"? E assim nasceu a MiMi».


Até ao momento, a esmagadora maioria das edições da MiMi são em formato .mp3. A excepção é "Give the finger to spoiler's disk" uma compilação em CD-R, com edição limitada, que reúne vários (e variados) projectos japoneses.

11.16.2006

O caos italiano

O barulho das gotas de uma torneira, a linha própria de uma costa, o nosso ritmo cardíaco, a forma de uma nuvem... são fenómenos constantemente considerados como diferentes aspectos de um só universo complexo, o do caos.


Poder-se-ia compreender a complexidade da natureza, se esta fosse pensada enquanto algo que não é apenas casual ou acidental. «As nuvens não são esferas», como Benoit Mandelbrot, pioneiro nos estudos sobre o caos, adora referir. As montanhas não são cones, nem o relâmpago se propaga de forma linear. A geometria fractal reflecte um mundo profundamente irregular, que não é assim tão redondo, que é duro e não suave. É a geometria da ilusão. O caos reduz o tecido conectivo global da natureza a um único, embora complexo, sistema fractal.


Tudo isto tem vindo a ser “captado” pelos artistas: as evocativas paisagens chinesas mergulhadas numa total turbulência (nuvens, contornos de montanhas, formas vegetais...), as proporções – recorrentes a escalas geométricas precisas – de numerosos monumentos, tanto antigos como contemporâneos, Van Gogh e os seus fluxos de energia que interagem nas suas formas, as geometrias “maníacas” de Escher...


Por outro lado, o artista de hoje está consciente das inúmeras possibilidades da Arte Caótica. Este tipo de arte, através de meios de expressão próprios – fractal, pólos de atracção, turbulência – “mistura” sabiamente semelhança e dissonância, faz coexistir o mais duro dos componentes materiais com espírito Zen num eterno contraste. A repetitiva e geométrica linearidade encontrada na areia e a dureza de uma rocha num jardim fractal cósmico, microcosmo e emblema de um universo com o seu maravilhoso e, por vezes, indecifrável, CAOS.

Ruggero Maggi

Tradução: Nuno Loureiro

Excerto do press-relase da exposição colectiva “Italian Chaos”, gentilmente cedido pelo Milan Art Center (Itália)
Fotografias: D.R.

11.15.2006

Alexander Kluge

Non agressive society




Realizador, argumentista, produtor e autor. Nasceu em 1932 em Halberstadt, Harz, na Alemanha.
Formado em Direito nas universidades de Freiburg, Frankfurt e Marburg. É tido como o “padrinho” do Cinema Novo alemão. Incentivou jovens realizadores a rebelarem-se contra o moribundo estado do cinema alemão, depauperado pela Segunda Guerra Mundial. Um dos mentores do manifesto “Oberhausen” de 1962. Escreveu muito sobre Economia e Cinema. No Institut für Filmgestaltung em Ulim, influenciou o talento e a consciência de Wim Wenders e Edgar Reitz, entre outros.

Falamos, é claro, de Alexander Kluge
, que – a par de nomes como Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog, Margerethe von Trotta e Volker Schlöndorff – renovou o cinema alemão nas décadas de 1960 e 70, e ainda hoje.
Os seus filmes caracterizam-se por uma forte sátira às incongruências políticas, através de montagens e narrativas com um cunho avant-garde. A sua primeira longa-metragem, “Abschies von Gestern” (1966) ganhou oito prémios no Festival de Cinema de Veneza, nesse mesmo ano. O filme traça as características que moldam Anita G., uma jovem com pouca sorte para o amor.

Muitas das personagens de A. Kluge são mulheres face a sociedade a uma repressiva sociedade sexista, como no filme “Gelenheitsarbeit einer Sklavin” (1974), no qual uma rapariga vende salsichas embrulhadas em manifestos políticos aos trabalhadores. Os filmes deste realizador geralmente evocam os contrastes entre o passado e o presente da Alemanha, à luz de duas obsessões permanentes: o materialismo e o militarismo.

As suas obras não são facilmente entendidas pelas audiências americanas, embora retratem muitas vezes a dependência da Alemanha em relação aos E.U.A., tal como “Willi Tobler and the Decline of the Sixth Fleet” (1970). A sua específica sátira política pode parodiar quer com o marxismo, quer com o capitalismo. Aliás, para Alexander Kluge, as instituições submetem-se à sua própria autoridade até deixarem de servir os propósitos para que foram criadas. Chega mais longe, quando em filmes como “The Patriot” (1979) ou “The Candidate” (1980) ridiculariza a mediocridade dos que a toleram e a sustentam do alto dos seus cargos institucionais.

«A sociedade não serve as necessidades dos seres humanos», disse Kluge, «mas é tão inofensiva que não estimula uma luta directa». Por isso mesmo, é que os seus vilões são tão ineficazes como os seus heróis: por exemplo, Ferdinand, o bobo fascista em “Strongman Ferdinand” (1979).

É que o cineasta acredita que, mostrando-se absurdo, a consciência humana cai em si e procure ultrapassá-lo. Nesse sentido, os seus filmes começaram a tornar-se cada vez mais um retrato do absurdo, sem se tornarem inverosímeis aos olhos da história alemã. Ele disse: «Eu crio personagens históricos numa sociedade não histórica».

Miguel dos Santos Soares
Fotografia: D.R.

Entrevista: De Fabriek

A fábrica de sons


Iniciado no final da década de 1970, De Fabriek é um projecto que sempre apresentou uma personalidade única, apesar de todos os ventos de mudança conceptual que o atingiram durante três décadas. Balanço de uma longa carreira – em que colaborou com nomes como Conrad Schnitzler, The Klinik, Esplendor Geométrico ou P16.D4, entre muitos outros – nas palavras de Richard van Dellen, o seu principal operário.

Os De Fabriek nasceram no ano de 1977, em Zwolle (Holanda). Pode falar um pouco sobre o início do projecto e dos seus primeiros membros?
Eu tinha 25 anos de idade, na altura. O outro membro dos De Fabriek era Henry Mouwer, guitarrista de uma banda punk local, chamada The Vopos.
Antes de 1977 tínhamos o nome de Cyclon B Tapes. Éramos apenas duas pessoas!

Que bandas é que que vos influenciaram, na altura?
Kraftwerk, La Düsseldorf, Neu, Faust, Amon Düül, Cluster, Eno, Holger Zsukay, Harmonia, Popol Vüh, entre muitos outros.

Nos primeiros tempos dos De Fabriek, vocês utilizavam brinquedos para produzir sons, tendo chegado mesmo a fabricar os vossos próprios instrumentos. Como é que funcionavam as coisas, nessa altura?
Os nossos instrumentos de brincar vinham dos departamentos infantis dos grandes armazéns: eram pequenos e engraçados objectos, que emitiam sons do espaço e vozes no estilo Kraftwerk, e orgãos de plástico.
Quanto aos instrumentos feitos por nós próprios, estes eram, por exemplo, os crackle-synthesisers (kraakdozen, em holandês), que pareciam pequenas caixas de distorção com um só botão, ou outros instrumentos que soavam como um theremin estragado.

Ao longo de 30 anos de actividade musical, o som dos De Fabriek passou por várias e diferentes vertentes – do industrial ao funk ou mesmo acid-jazz, que se uniram num cocktail musical muito próprio. A intenção era essa, passar fronteiras?
Quanto a passar fronteiras, bem, se existem fronteiras, nós não as passámos porque não estávamos à procura delas. Na maior parte das vezes, nós tentamos fazer música espontaneamente e sem estar dentro de “compartimentos” musicais estanques.
Houve mesmo casos de editoras que nos pediram que fizéssemos temas dentro de determinados estilos. Nós rejeitámos muitas vezes esses pedidos, porque isso não nos diverte!

Os De Fabriek sempre foram um colectivo de vários músicos (“operários”), provenientes de backgrounds musicais diferentes. Gosta de trabalhar com todas essas pessoas?
Sim, acho que gosto de trabalhar com qualquer pessoa que também goste de trabalhar com os De Fabriek, sem excepções e sem modelos. Nós também não fazemos selecções. O som tem que vir dos dois lados, ou melhor, de três ou quatro lados diferentes. Nós odiamos modelos – se se quer fazer música experimental, tudo tem que ser livre.

Para além dos De Fabriek, tem algum projecto paralelo?
Eu nunca quis começar um novo projecto, com os mesmos objectivos mas com um nome diferente. Apesar disso, trabalhei num duo chamado Narwal, em conjunto com um amigo meu, que o começou há alguns anos. Este projecto já não existe.

Nuno Loureiro e Richard van Dellen
Fotografia: D.R.