A discussão (e mediatização) verificada em torno do fenómeno da extrema-direita na Europa levanta - de novo - uma série de questões.
A mais relevante, do ponto de vista político-institucional, será desde logo a aprovação pelo Parlamento Europeu da legislação que condena criminalmente a promoção e o incitamento ao ódio racial e à xenofobia.
O aspecto positivo da medida é a harmonização legal desta matéria no conjunto dos Estados-membros da União Europeia (UE). Medida que, no entanto, tem dado que falar, até porque houve países (nórdicos) que levantaram o problema da liberdade de expressão, que – dizem – não deverá ser limitada mesmo em relação a ideologias que preconizam a limitação, ou mesmo eliminação, deste conceito na realidade social.
Com efeito, deve-se fazer uma pergunta, que não é nova: que legitimidade haverá para proibir a actividade da extrema-direita, enquanto ideologia contrária à Democracia, quando se permite a existência de partidos de extrema-esquerda (um conceito talvez mais ambíguo...) que defenderam e provavelmente ainda defendem ou desculpam figuras como Estaline ou Mao Tsé-Tung (pelo menos mantêm um silêncio comprometedor), que não só lideraram regimes tão totalitários como os do eixo nazi-fascista, como integram com distinção o top dos maiores genocidas da História?
A diferença, afinal, sempre residiu em pormenores político-ideológicos, não nas consequências práticas da brutalidade e desumanidade com que a sua repressão se abateu sobre os cidadãos. Uma simples análise séria aos contornos do regime de Nicolae Ceauşescu na Roménia dissipará qualquer dúvida.
O que é certo é que a renovação ou refundação partidária não se verificou apenas nas formações comunistas europeias. A extrema-direita que se apresenta a eleições na Europa e integra governos legitimados pelo voto não é “fascista” no sentido histórico-filosófico do termo. Não advoga o modelo ditatorial – que considera ultrapassado – e não deseja a expansão imperial. Quanto ao racismo, a escola biológica e neo-darwinista dá lugar ao “racialismo” e ao nacionalismo identitário. Cada um no seu lugar (do globo).
É uma ideologia que aprendeu a jogar pelas regras da Democracia, embora a despreze no seu íntimo. Diz-se contra o sistema, mas actua de forma ardilosa dentro deste. Não esqueçamos que, no passado, Hitler foi eleito chanceler, no que foi a ruptura final com a experiência de Weimar.
Esta é a “nova direita”, delineada no pós-guerra e germinada no seio do GRECE (grupo de investigação e estudo da civilização europeia), que deseja uma Europa de nações diversas – tão diversas quanto o neo-petainismo de Le Pen e o nacionalismo pós-moderno do falecido Pim Fortyin podem ser.
Uma força política que - sublinhe-se - se constituiu enquanto grupo no Parlamento Europeu em Janeiro, através do Identidade, Tradição e Soberania, paradoxalmente formado pelos votos de quem se sente desiludido com a UE.
Como anteriormente referido, este artigo pretende aludir a várias questões. Por exemplo, os “meros” 10% obtidos por Le Pen nas últimas presidenciais francesas não reflectem o esmorecimento das ideias e sentimentos que o colocaram na segunda volta de 2002, mas antes a deslocação do voto (então de protesto contra o sistema) para Nicolas Sarkozy, que conseguiu de forma notória o intento de roubar parte do eleitorado da Frente Nacional, com o seu discurso “musculado”.
Nesse sentido, deve ser encarado com preocupação o aumento do número de cidadãos que defendem a noção de Europa-fortaleza. Não por convicção político-ideológica, mas pelos movimentos migratórios e o clima de insegurança urbana, pela globalização desregrada e desvirtuada, pelo medo do Outro exponenciado pelo terrorismo. Terreno fértil para o populismo, que não reside apenas na extrema-direita...
Não é redundante recordar que as épocas de maior brilho na História da Europa – como a Antiguidade Clássica e o Renascimento – coincidem com a abertura e cosmopolitismo que, no fundo, ajudaram a moldar a nossa contemporaneidade.
A Europa pode e deve manter a sua identidade social e cultural (ou melhor, sociais e culturais, numa diversidade retratada de forma simbólica pela bandeira conceptualizada para a UE por Rem Koolhaas). Mas em interacção com o Mundo em que está inserida. Uma Europa-fortaleza só poderá (re)conduzir ao obscurantismo.
Qual será então a melhor resposta para este fenómeno? Talvez dando provas da superioridade do modelo democrático e – acima de tudo – não proporcionar as condições para o aparecimento ou recrudescimento de quem se aproveita de momentos como o que atravessamos para defender o regresso à “normalidade histórica”.
Se estas perturbações se verificam, como já antes se verificaram, por alguma razão é. A actual desorientação colectiva e a incerteza face ao futuro podem fazer com que a História se venha mesmo a repetir, pelo que a Europa e o Mundo necessitam de políticos atentos à realidade que os circunda, não de avestruzes…
Nuno Loureiro
Imagens: D.R.